quinta-feira, 25 de abril de 2013



SAUDADES... PARECE QUE FOI ONTEM.

  Desliguei o computador, comprado a duras penas, com o meu salário de telefonista, lá pelas tantas horas da noite, como já o fizera em tantas outras daquela mesma semana de provas e trabalhos bimestrais.
  A casa que as constantes enchentes nos obrigaram a começar a construir estava apenas no seu primeiro pavimento. No mesmo quarto onde dormiam os filhos, ficava o computador que acabara de desligar.
  Fui até a cozinha satisfazer o vício do café:pela última vez um golinho! Voltei para verificação final das cobertas e dos pés para fora do beliche!
  Quando virei as costas, esfreguei os olhos secos, apaguei a luz e suspirei fundo, pensando na cama quentinha que me aguardava, eis que....
- Ô mãe?
  De costas mesmo eu resmunguei um – hã? E na esperança que fosse suficiente para contentá-lo eu soltei a pergunta básica:
- Já rezou filho? Dorme com Deus!
  Dei uma ajeitada nas cobertas, um beijo demorado, um afago nos cabelos loiros e uma última mirada nos doces olhos azuis (milagres da genética!), torcendo para que isto o satisfizesse!
  Mas, não teve jeito, com eles nada tinha jeito quando queriam conversar!
-Sabes o que eu pensei?
-Não filho, o quê?
-Será que foi Deus quem criou o homem ou foi o homem quem criou Deus!
-(Valei-me minha Nossa Senhora.... !) pensei:
-Depois da meia noite, varada de sono e cansaço, o que vou dizer para este guri meudeussdocéu!!!
  Inspirei fundo, invoquei todos os anjos e arcanjos, principalmente o mentor que toda catequista deve ter ao seu lado, por direito divino...
- Isto eu não sei te responder filho...  Filosofia não é o meu forte!
  Só sei que todas as vezes que a ele me dirigi, fui socorrida! E que atendendo ao que teu avô Roldão me disse uma vez, coloquei minha vida nas mãos dele e, até hoje, não me arrependi! As respostas sempre vieram de um jeito ou de outro!
-Agora, no Deus cristão, aquele velhinho cruel, furioso,de barbas brancas morando numa nuvem, não! Neste eu não acredito não, e até acho que foi criação dos homens mesmo!
  Dentre outras palavras, beijos e aconchegos, ele sorriu e o azul dos olhos ficou mais brilhante e iluminado sinal, para o meu coração de mãe, que ele estava satisfeito com a resposta!
-Boa noite mãe!
-Boa noite filho, dorme com os anjos!
-Tá!
  Mais uma ajeitada nas cobertas, uma última olhada na galega que dormia na outra cama e me fui rastejando escada abaixo, pensando no que diria agora, o neurologista consultado aos cinco meses de idade:
- É mãe! O teu filho somente tem a favor dele os olhos muito brilhantes. O resto me preocupa.Vamos fazer uma contagem de cromossomas!
  Mecanicamente, me dirigi ao laboratório, ainda não acreditando no absurdo daquela situação. A enfermeira perguntou qual o motivo do pedido, era exigência da “Patronal”.
- Não sei! Respondi confusa e angustiada. Algo com pregas nos olhos, orelha muito abaixo da linha dos olhos, pele flácida e a cabeça que ele ainda não tinha firmado.
-Ah! Eu sei! Características de Down, né?
  Incrível foi como consegui continuar segurando-o em segurança, quando o chão sumiu dos meus pés!
  Agora, 6 anos depois, o menino “com características de Down” tinha acabado de me fazer dançar um samba do crioulo doido para responder sua pergunta de uma forma satisfatória! Quando consegui chegar ao quarto, o marido resmungou nas cobertas e a noite seguiu seu curso!
  Naquela semana, contei à psicóloga, que eu pagava para que ouvisse meus desatinos, este estranho diálogo, apenas para exemplificar como estava assoberbada minha vida de mãemulhercozinheiralavadeiraestudantetelefonista,etc, etc, e ela me disse:
-O quê? Estás doida? Dizer uma coisa destas para uma criança de apenas 7 (sete) anos?
-Depois ainda achas estranho ter um filho filósofo!!!!
  Olhei para ela muito espantada!  Corria o ano de 2001. Os colegas de trabalho às vezes expressavam admiração, às vezes, desdém disfarçado, por uma pessoa de 40 anos que resolve estudar novamente e, ainda por cima, DIREITO! Três idosos para cuidar, duas crianças, uma casa sempre em construção, marido, cachorros, enfim, tudo o que uma boa família tem, não era fácil de administrar... Pensei em qual outra resposta poderia ter dado?
  Desde aquela noite, passei, passamos por muitos apertos! O filho filósofo ainda me colocou em outras “saias justas” e continua mais pensador ainda. Agora, é tocador de violão e engatinha nas composições. Com frequência quer que eu cante com ele mas ainda me requisita para uns papos cabeça!
  A galega, que dormia no beliche de baixo, agora nem liga para o quarto que é só dela e quase nem dorme mais em casa!Está quase terminando o curso de Artes Cênicas, mas já caiu de amores pela dança cigana há um ano mais ou menos e temos que nos sujeitar ao seu gosto musical restrito ao tema, quando ela vai limpar a casa!
  Tudo passou tão devagar e tão velozmente que agora, aqui escrevendo, sozinha em casa eu me lembro daquele “aperto” que ele me colocou e fico pensando:
-Como foi que passou tão rápido?
Que saudade! Parece que foi ontem!