SAUDADES... PARECE QUE FOI ONTEM.
Desliguei o computador, comprado a duras penas, com o meu
salário de telefonista, lá pelas tantas horas da noite, como já o fizera em
tantas outras daquela mesma semana de provas e trabalhos bimestrais.
A casa que as constantes enchentes nos obrigaram a começar a
construir estava apenas no seu primeiro pavimento. No mesmo quarto onde dormiam
os filhos, ficava o computador que acabara de desligar.
Fui até a cozinha satisfazer o vício do café:pela última vez
um golinho! Voltei para verificação final das cobertas e dos pés para fora do
beliche!
Quando virei as costas, esfreguei os olhos secos, apaguei a
luz e suspirei fundo, pensando na cama quentinha que me aguardava, eis que....
- Ô mãe?
De costas mesmo eu resmunguei um – hã? E na esperança que
fosse suficiente para contentá-lo eu soltei a pergunta básica:
- Já rezou filho? Dorme com Deus!
Dei uma ajeitada nas cobertas, um beijo demorado, um afago
nos cabelos loiros e uma última mirada nos doces olhos azuis (milagres da
genética!), torcendo para que isto o satisfizesse!
Mas, não teve jeito, com eles nada tinha jeito quando
queriam conversar!
-Sabes o que eu pensei?
-Não filho, o quê?
-Será que foi Deus quem criou o homem ou foi o homem quem
criou Deus!
-(Valei-me minha Nossa Senhora.... !) pensei:
-Depois da meia noite, varada de sono e cansaço, o que vou
dizer para este guri meudeussdocéu!!!
Inspirei fundo, invoquei todos os anjos e arcanjos,
principalmente o mentor que toda catequista deve ter ao seu lado, por direito
divino...
- Isto eu não sei te responder filho... Filosofia não é o meu forte!
Só sei que todas as vezes que a ele me dirigi, fui
socorrida! E que atendendo ao que teu avô Roldão me disse uma vez, coloquei
minha vida nas mãos dele e, até hoje, não me arrependi! As respostas sempre
vieram de um jeito ou de outro!
-Agora, no Deus cristão, aquele velhinho cruel, furioso,de
barbas brancas morando numa nuvem, não! Neste eu não acredito não, e até acho
que foi criação dos homens mesmo!
Dentre outras palavras, beijos e aconchegos, ele sorriu e o
azul dos olhos ficou mais brilhante e iluminado sinal, para o meu coração de
mãe, que ele estava satisfeito com a resposta!
-Boa noite mãe!
-Boa noite filho, dorme com os anjos!
-Tá!
Mais uma ajeitada nas cobertas, uma última olhada na galega
que dormia na outra cama e me fui rastejando escada abaixo, pensando no que
diria agora, o neurologista consultado aos cinco meses de idade:
- É mãe! O teu filho somente tem a favor dele os olhos muito
brilhantes. O resto me preocupa.Vamos fazer uma contagem de cromossomas!
Mecanicamente, me dirigi ao laboratório, ainda não
acreditando no absurdo daquela situação. A enfermeira perguntou qual o motivo
do pedido, era exigência da “Patronal”.
- Não sei! Respondi confusa e angustiada. Algo com pregas
nos olhos, orelha muito abaixo da linha dos olhos, pele flácida e a cabeça que
ele ainda não tinha firmado.
-Ah! Eu sei! Características de Down, né?
Incrível foi como consegui continuar segurando-o em
segurança, quando o chão sumiu dos meus pés!
Agora, 6 anos depois, o menino “com características de Down”
tinha acabado de me fazer dançar um samba do crioulo doido para responder sua
pergunta de uma forma satisfatória! Quando consegui chegar ao quarto, o marido
resmungou nas cobertas e a noite seguiu seu curso!
Naquela semana, contei à psicóloga, que eu pagava para que
ouvisse meus desatinos, este estranho diálogo, apenas para exemplificar como
estava assoberbada minha vida de
mãemulhercozinheiralavadeiraestudantetelefonista,etc, etc, e ela me disse:
-O quê? Estás doida? Dizer uma coisa destas para uma criança
de apenas 7 (sete) anos?
-Depois ainda achas estranho ter um filho filósofo!!!!
Olhei para ela muito espantada! Corria o ano de 2001. Os colegas de trabalho às vezes
expressavam admiração, às vezes, desdém disfarçado, por uma pessoa de 40 anos
que resolve estudar novamente e, ainda por cima, DIREITO! Três idosos para
cuidar, duas crianças, uma casa sempre em construção, marido, cachorros, enfim,
tudo o que uma boa família tem, não era fácil de administrar... Pensei em qual
outra resposta poderia ter dado?
Desde aquela noite, passei, passamos por muitos apertos! O
filho filósofo ainda me colocou em outras “saias justas” e continua mais
pensador ainda. Agora, é tocador de violão e engatinha nas composições. Com
frequência quer que eu cante com ele mas ainda me requisita para uns papos
cabeça!
A galega, que dormia no beliche de baixo, agora nem liga
para o quarto que é só dela e quase nem dorme mais em casa!Está quase
terminando o curso de Artes Cênicas, mas já caiu de amores pela dança cigana há
um ano mais ou menos e temos que nos sujeitar ao seu gosto musical restrito ao
tema, quando ela vai limpar a casa!
Tudo passou tão devagar e tão velozmente que agora, aqui
escrevendo, sozinha em casa eu me lembro daquele “aperto” que ele me colocou e
fico pensando:
-Como foi que passou tão rápido?
Que saudade! Parece que foi ontem!
Eestou ainda meio parado tentando repetir de cabeça este teu relato emocionante. Faz algum tempo que venho passando uma fase de desânimos vendo blogs e textos de gente que quer se mostrar e acha que escrever é colocar coisas num papel. Boa Noite Rita. Minha alma ainda está viajando pelo quarto da tua casa em construção, tentando achar uma resposta convincente para o teu filho filósofo,violeiro e compositor. Obrigado
ResponderExcluirGrande Titinha! É mesmo, parece que foi ontem! beijoca no teu coração
ResponderExcluirO Dr. Márcio falou tudo. Muito lindo o que escrevesse. E realmente, o tempo voa. Meu pai sempre diz, "a vida passa muito rápido", é a pura verdade. Um grande beijo com carinho pra ti e todos da tua família. Então estamos com um novo compositor, LEGAL!!!!!!!!
ResponderExcluirGero
Obrigada aos três amigos queridos do meu coração! É sempre bom contar com o apoio de vocês! Bjão
ResponderExcluirO quê mais posso dizer? Emoção! Tô pasma, ainda. Lição de vida. beijo. te amo.
ResponderExcluirObrigada Zu... também te amo!
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