sexta-feira, 27 de setembro de 2013


DONA ISAURA  

Na minha rua morava uma senhora chamada Isaura.
Eu a conheci bem pequena, antes mesmo de irmos morar na casa da Getúlio Vargas.
A primeira vez que a vi, foi para receber das suas mãos um pacotinho com doces, que ela dava para as crianças neste dia de Cosme e Damião! 
QUE CAJUZINHO GOSTOSO!!! 
Jamais provei outro igual. 
SALVE! São Cosme e São Damião! 
E Deus abençôe a Dona Isaura, enchendo-a de bençãos e luz, onde quer que ela esteja! 
Assim seja e assim será!



sexta-feira, 19 de julho de 2013

UMA ADVOGADA NA COZINHA

Acordo da soneca da tarde disposta a esperar o meu marido, que já foi padeiro, desenhista, policial, advogado e é a agora... um destemido BIKEMAN, chegar do seu passeio de 2 dias à vizinha cidade de IMBITUBA, com o seu prato preferido: uma sopa!!
Ao volante da merivinha, me dirijo ao Supermercado próximo para comprar os ingredientes. Quando entro em casa, verifico que o cacho de bananas está maduro demais. Que fazer?
-Uma cuca de banana! Claro!                                                                    
Enquanto a carne cozinhava, piquei as verduras e separei os ingredientes para a cuca. Qual receita? A do livro azul? Não vai rolar: cuidar da sopa, separar ingredientes e ainda olhar a receita? NEVER!
Não tem problema, vai aquela básica, que já sei de cabeça, faz tempo.
Uma  voz interior me adverte: esta receita nunca deu certo!!!
-Não faz mal, vai assim mesmo!!
Quando tinha separado os ingrediente e a sopa estava ainda em preparação, eis que o destinatário de surpresa chegou e estragou tudo. Beijos, abraços, aquele rolo que só ele sabe fazer....
Tomou um café, contou umas rápidas histórias, perguntou se queria ajuda e, ante a minha negativa, foi descansar! Voltei alegremente para a cuca.
1º- Separar gemas das claras. Bater as últimas em neve e depois, sem mexer, incorporar à massa já pronta.
2º- Separar  Gemas, margarina e açúcar, para serem  batidas na super batedeira vermelha que ele comprou na Polishop.
Ops.! Vamos voltar a sopa e colocar as verduras, a carne formou um molho delicioso... será que não deveria fazer um assado de panela? Não, Rita, concentração!!
Volto para a batedeira e coloco somente a margarina com o açúcar... bate, para, mistura manualmente, bate, para, mistura! Não tem jeito! 
-Afinal de contas, o que está acontecendo? Da outra vez o creme logo se formou!!!
Ah! Ligar o forno!
-Bom, vou experimentar colocar um pouco do leite!
Fica uma meleca!!!
-Ah! Danou-se! Vou colocar logo a farinha de trigo, misturada com a maisena e ver no que vai dar!!!
Antes dou uma conferida no caldo da sopa e baixo o fogo, porque sopa sem caldo não fica bem!
- Está lindo! Ok!
Já que esta massa vai  ficar de qualquer jeito mesmo, coloco as claras e baixo a temperatura do superforno do superfogão que “ele” também resolveu comprar para suas aventuras culinárias.
Na cozinha eu me sinto meio ET, às vezes! O pai, o filho e a filha cozinham que é uma beleza....
-Ah! Vá lá! Melhor prá mim, que prefiro almoçar fora!
-OPAAAA!!! O que é isto ao lado das claras?
-AS GEMAS!!!
Por isto o creme não ficou maravilhoso como da outra vez! Vejam só! Que pequeno detalhe eu havia esquecido.
Agora danou-se tudo mesmo! As claras não gostam de estar neve, não quiseram permanecer naquele estado e sobra um pouco de líquido quando viro a vasilha!!! -Agora vou bater esta massaroca (uma massa que não deu certo), tudo junto e seja lá o que Deus quiser!
Já irritada, eu coloco toda a farinha, de uma só vez... quando ligo a batedeira, levanta farinha para todos os lados da bancada, no chão, na geladeira.... aimeudeusdocéu, esqueci daquela partezinha que coloca em cima da tigela!!
Quando resolvo o desastre, lembro que não descasquei as bananas ainda, o forno já está prá lá de quente e que  sou uma idiota por não gostar de ajuda enquanto estou cozinhando!!!
Deixo a batedeira rebolando-se toda e vou fatiar as bananas, coloco no fundo da forma, já untada e enfarinhada (este foi o meu único ato lúcido nesta tarde de chuva e frio).
Desde pequena, aprendi que devemos enfrentar nossas mancadas de frente, serenamente.... lá fui eu, desligar a batedeira, colocar o fermento e partir para o: SEJA LÁ O QUE DEUS QUIZER!!!
Quando olho a massa ela está estranhamente sufflair... fofi’s, como costumo brincar! Viro a tigela... ela recusa-se a cair delicadamente, como todos os bolos e cucas normais, que as pessoas normais fazem!!! Empurrei tudo com uma espátula de nome estranho: pão duro! Ela não deixa NADA PARA SER LAMBIDO na tigela...as crianças já cresceram mesmo! Não tem mais problema....
-A FAROFAAAA!
Esqueci de fazer a farofa, gente do céu!! Olho para frente e sinto o calor do fogão, vejo a sopa  borbulhando, corro lá e desligo esta bendita panela!
Olho para o lado e vejo o pacote de trigo, a margarina quase no fim... pego uns punhados de farinha e vou mexendo dentro da cambuca  até fazer as bolinhas. Lembro que, obviamente, a farofa da cuca de banana é doce e coloco o restante do açúcar que tinha no pacote, porque o açucareiro já está vazio..
-.ai! O forno, está pelando, vou baixar mais, não tem jeito!
Consigo fazer a farofa com cara de farinha de margarina com açúcar! Coloco por cima da cuca, e enfio a danada no fogão, cujo calor quase queima as minhas sobrancelhas!!
Consumatum est enfim!
O tampo do fogão traz preciosas informações: bolos: tempo de cozimento, 40 a 45 minutos... 50 minutos e a cuca está “morena” nas bordas... no meio ela parece ferver!!
Não tem saída: vou acordar o cozinheiro e pedir socorro!!!
-Bota mais fogo nela!!!
Botei mais fogo! Enfiei a faca, em 3 minutos ela já estava assada no meio!
Retiro a cuca do forno e vamos todos tomar a deliciosa sopa, ouvindo as aventuras do nosso ciclista!
Antes de dormir, vou lá à cozinha conferir: corto uma fatia e.....
ALELEUIA, ALELUIA, ALELUIA!!!
Delicia, delicia, assim você me mata!!!!

A melhor cuca que eu já fiz!!!!

domingo, 19 de maio de 2013




INFÂNCIA

       Ao comprar uma máquina de costura novinha em folha, último tipo, viajei para um tempo distante, quando tinha algo em torno de 3 ou 4 anos de idade. Morávamos na “casa da dona Celina”, para onde fomos quando minha mãe morreu.
       Minha nova mãe bordava a máquina, no quarto onde dormia com meu pai. Eu dormia no mesmo quarto com eles, porque a casa não tinha muitos cômodos e éramos oito pessoas. Ainda tenho lembrança da minha cama pequena, transversalmente ao lado da deles. No quarto, havia uma janela alta, minha mãe precisava subir na cama para falar com a prima Maninha, que era sua vizinha, e também bordadeira.
       Como faziam os trabalhos juntas, numa daquelas tardes, ela parou de bordar e foi na casa da prima, fazer algo que não lembro o que era. Mais do que depressa eu pulei para a banqueta, que era alta.... e comecei a bordar!
       Só que, para bordar, era necessário movimentar o bastidor com as duas mãos e eu deixei o dedo indicador exatamente no meio do bastidor, próximo demais da agulha. Bordei alguns segundos e logo, traiçoeiramente, a agulha entrou firme na unha do dedo indicador direito
- Ô manhêêê.... deve ter sido um grito muito agudo!
        Pobre mãe! Chovia, ela veio correndo. O sangue deve ter manchado o tecido, quem sabe, teve até que pagar por um tecido novo, pois manchas de sangue não saem com muita facilidade.
      Engraçado, não me lembro da dor no momento de retirar a agulha do dedo.Esta dor, contudo, não deve ter sido tão forte a ponto de me fazer desistir de bordar, porque eu ainda repeti a façanha mais uma vez!Novamente, o mesmo grito! A mesma correria.
       Assim, ela não teve alternativa a não ser me ensinar a bordar. Primeiro, o cordonê, depois os bordados maiores. Durante algum tempo eu bordei. Cheguei até mesmo a receber o elogio máximo de uma virginiana perfeccionista:
- Olha só, Roldão! O cordonê dela é melhor do que o meu!
       Contudo, minha alegria durou pouco. Embora adorasse bordar, ela quase não me permitia, seja porque precisava estar bordando o tempo todo, eram muitas encomendas, seja porque as linhas eram sempre muito caras, e mesmo que eu pedisse as sobras, ela nunca as dava, porque dizia que ia precisar!
       Mas, ainda acho que ela teve mesmo foi ciúmes! Do seu bordado, daquela arte tão preciosa, que ela fazia tão bem. Como estava sempre junto com ela, ouvia embevecida, as suas conversas com a prima Maninha, sobre como fazer, o que fazer, quando fazer! Era um universo fascinante! Transformar um pedaço de pano em algo tão bonito de se ver! E os jogos de cama, em bordado Richillieu, então? E os bichinhos? Tão mimosos ficavam nos enxovais de bebê que elas faziam! Ninguém bordava como aquelas duas!
- “Qués veis, Maria, fais assim ó”!
       O tempo passando e eu, sempre curingando, perguntando como fazer. Ficava ao seu lado, olhando para ela bordar, via suas caretas, acompanhei sua visão, acabando, pouco a pouco, naquele labor noturno, até 2 ou 3 horas da madrugada.Tudo tinha que ser sempre muito perfeito, nada de mais ou menos.
       Havia também os serões que elas faziam. Eram sempre antes da Festa de Santo Antônio dos Anjos da Laguna. Sim, a Opa vermelha. Tinha um emblema do Santíssimo Sacramento, bordado em fios dourados. Ficava lindo, o meu pai, vestido naquele traje: terno marrom, sob a opa vermelha. E lá se ia ele, todo faceiro e, aos meus olhos, lindo de morrer!
       Outro serão, acontecia em 7 de setembro! Elas bordavam os bolsos dos uniformes do Colégio Ana Gondin e, às vezes, do Jerônimo Coelho! Viravam as noites bordando, na casa da Maninha. Eu ia junto com eles. Às vezes, ela e o pai voltavam para casa e me deixavam dormindo naquela cama de casal, tão grande! E eu, sempre tão medrosa de dormir sozinha, nem ligava quando me acordava, no outro dia, sem eles.
       Até que, passados alguns anos, quase chegando ao final do Ginásio, eu devo ter falado algo como bordar com ela, ou bordar para fora também! A resposta foi taxativa:
-Não! Tu não vais bordar para fora coisa nenhuma, que isto não é vida! Vais é trabalhar num escritório,  tu vais gostar, nasceste foi para isto!
       E assim, com esta sentença, adormecida foi, minha vocação para bordadeira!
       Mas, no meu coração, permanecem aquelas imagens, que soam quentinhas, de tão boas que são. Nem a lembrança da agulha enfiada no meu indicador me remete a alguma dor.... muito pelo contrário, apenas me lembra de quão obstinada eu era, e isto me faz bem.
       O seu exemplo de esmero, aquele primor de bordado, o avesso mais do que perfeito que ela fazia e ostentava com tanto orgulho, foram meu espelho, para as coisas que fiz e para os diversos trabalhos que realizei ao longo dos anos. Nunca comprei bordados prontos, nenhum me agradava, porque sempre ia direto ao avesso: terríveis!
       Agora, de cabelos brancos em minha nova infância, estou diante desta máquina de costura, tão novinha, me vendo novamente naquela expectativa de poder fazer algo tão belo quanto os bordados que ela fazia. Talvez, seja uma forma de reviver aqueles momentos de prazer, de reencontrar-me com a mãe que tive, sem nunca poder realmente ter! 

A ILHA


    Atrás da nossa casa, no bairro Magalhães, durante a minha infância, ainda existiam os trilhos da estrada de ferro Dona Tereza Cristina, que trazia o carvão de Criciúma e Capivari para o Porto de Laguna. Também havia, um alagamar. Era uma extensão da Lagoa de Santo Antônio, popularmente chamado assim.  O tal alagamar, nos dias de hoje, seria um terror de saúde pública. Melhor nem comentar o que boiava naquelas águas. Mas, todos nós brincávamos muito nelas. Também assistíamos grandes espetáculos durante o por do sol, sentados nos trapiches das canoas dos pescadores, depois de uma tarde inteira de folguedos, correrias e brincadeiras de todos os tipos.

   Minha amiga Regina e eu não éramos diferentes de qualquer uma das crianças da nossa rua. Bem, não éramos tão iguais assim. Ao contrário das outras crianças, também nos divertíamos muito lendo. Eu mesma, fui apelidada pelos meus irmãos de “pesquisa”, porque escolhia um tema e depois saia procurando livros sobre aquele assunto e, para desespero deles, falando sem parar sobre o que descobria. Na mesa do almoço, da janta, enquanto eles limpavam a casa, enquanto lavavam a louça, enfim, reconheço  que os importunei um bocado.

   Passamos por diversas fases de pesquisas, eu e ela. Tivemos a fase dos dinossauros, das pedras, das cidades que gostaríamos de conhecer e dos vulcões! Eu era fascinada por vulcões.

   Naquela época, do quintal da minha casa eu via todo o entorno da Lagoa de Santo Antônio, chegando mesmo a ver, em noites claras, da janela da cozinha, o facho da luz do Farol de Santa Marta. Quantas broncas levei, porque ficava hipnotizada olhando o vai e vem daquela luz em vez de dar conta da louça do jantar.

   Foi numa destas observações, pendurada no portão atrás de casa, que um dia, percebi uma certa ilha, no alagamar, já próximo da Passagem da Barra. Atrás desta ilha eu visualizei um morro, em forma de vulcão (como eu vira nas figuras das revistas) e, pasme, eu cismei que aquela  ilha tinha sido formada pela explosão DAQUELE VULCÃO,  que era composta de pedras vulcânicas. Tanto falei nisto com a Regina, que a convenci de pesquisar comigo e este passou a ser o nosso assunto preferido.

   Esta minha amiga Regina, ao contrário de mim, tinha avós maternos!

   Eles já eram idosos, e tinham que ouvir estas teorias, porque brincávamos a tarde inteira na parte do terreno onde ficava a casa deles. Eles conheciam a vida e sabiam que não se conseguia tirar leite de pedra. Cada um tem seu tempo e a fruta quando colhida prematuramente pode se perder. Por isto, tinham muito paciência conosco. Mas nos davam limites. Sabiam que éramos crianças, nada mais do que isto. Talvez um pouco precoces para aquela época, mas éramos somente duas crianças.

   Lembro dos olhos dele, para mim, sempre tristes e preocupados. Ele lutara na segunda guerra. Ela, sempre tinha para comigo um olhar bondoso que, no máximo, se estreitava um pouco quando ouvia algum disparate meu. Eu percebia a mancada e me calava ou mudava de  assunto.

   Nesta época, eu costumava passar tardes inteiras no rancho da casa deles, discutindo nossa teoria vulcânica com a Regina. Creio que devemos ter nos tornado insuportáveis quanto a este assunto, porque ,  o “vô Galdininho”, que era pescador, certo dia, pegou sua canoa e nos levou numa “expedição à ILHA”.

   Explodindo de alegria, curiosidade e expectativas, lá fomos nós. O passeio de canoa, por si só já era uma felicidade para mim, imagine então, estar diante da possibilidade de ver confirmada a minha teoria vulcânica!

   Quando descemos da canoa o entusiasmo já murchou! Não recordo com que calçado eu fui. Mas lembro muito bem do susto ao afundar os pés naquele lodo... e eu imaginara que desceria numa praia de areia branquinha.

   O capim que rodeava a tal ilha, de longe  era tão lindo, tão verdinho. De perto, meu Deus, como doíam e incomodavam as espetadas dos espinhos que eles tinham nas pontas.

   Acho que nada teve um poder tão grande de me fazer ficar uns instantes em silêncio. Que decepção! Não vi pedra vulcânica alguma, apenas umas rochas de granito, caranguejos e um inseto semelhante à  barata e muito mau cheiro.

  O morro visto de perto era o tal casqueiro, onde ficava o sambaqui. De vulcão, não tinha nada, nem o formato. Desencantadas, voltamos para casa, finalmente em silêncio, para felicidade do seu Galdininho e de sua esposa, a dona Liquinha.

   Chegou o dia da aula semanal de Geografia. Contamos para a professora sobre a nossa odisseia. Ela, muito atenciosa como era, nos intimou a apresentarmos um relatório, que intitulei de “A ILHA”, e recebeu nota DEZ!

   Depois da nota inesperada nossos pés ainda doeram por algum tempo com as espetadas dos espinhos do capim, que inflamaram. Diante de tudo isto, nos demos por satisfeitas, nunca mais falamos em ilha vulcânica perto do seu Galdininho e encerramos a nossa fase dos vulcões.







Esta foi uma foto tirada durante as celebrações do "lava-pés" na semana santa. O seu Galdininho tem a faixa "Simão".

EU NÃO ESTOU BÊBADA PAI


         Lá pela época, um pouco antes dos anos 70, quando eu ainda dormia no sofá da sala, certo rapaz conhecido no bairro do Magalhães, que morava na rua do campinho de futebol, em frente a Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Navegantes, havia feito muito sucesso como cantor. O nome dele era Adilson Adriano, sua música, chamava-se “Seu Nome” e foi muito tocada nas rádios Difusora e Garibaldi. Esse ídolo da terrinha era praticamente nosso vizinho, tinha quase a mesma idade da minha irmã Detinha e de sua amiga Flora e, tal como as duas, também havia perdido a mãe quando ainda muito criança.
         Era Natal, que em nossa casa era comemorado apenas no almoço do dia 25. Não fazíamos a tradicional ceia da meia noite, meus pais iam à missa do galo e a troca de presentes era realizada de manhã.
          E naquele ano, seguindo a tradição, meus pais foram para a missa do galo. Eu, muito criança, fui dormir quando me mandaram, no sofá da sala. Em dado momento acordei sob a cantoria das vozes de minha irmã Detinha, de sua amiga Flora, juntamente com Adilson Adriano, no varandão de nossa casa, tocando no violão uma música que ele havia composto em homenagem a sua finada mãe. O três, depois de muitos copos de uma bebida chamada Vermut (nem sei se ainda existe), estavam chorando suas mágoas de órfãos e repetiram a tal música várias vezes durante aquele festival de choradeiras. E eu fiquei acordada ouvindo tudo. Ou era o que eu pensava.
         Pois, de uma hora para outra, me acordei com o meu pai abrindo a porta da sala, adentrando com muito estardalhaço, em direção ao quarto onde as minhas irmãs dormiam.
-Abre esta porta Detinha, eu sei que estás aí!
         Eu sentei rapidamente no sofá e vi o meu pai forçando a porta do quarto para entrar e minha irmã resistindo aquela investida irada, fazendo movimento contrário, fechando a porta com o próprio corpo.
-Que vergonha, Meu Deus! Gritava ele, a minha filha bêbada!
-Calma!Eu não estou bêbada pai, eu não estou bêbada!
         Mas, como ele poderia se acalmar? Se hoje tenho na memória, que mesmo distante do quarto, eu podia sentir o cheiro da bebida que dela exalava, enquanto respondia com a voz embargada, mole, balbuciante e contorcida, defendendo-se o quanto podia, numa vã tentativa de evitar a  surra que levou.
         Nos anos que se seguiram, sempre riamos muito ao lembrar aquele episódio. Detinha sempre zombando, contava que a cantoria começara na “pracinha” onde os três beberam apenas, algo em torno de três ou quatro garrafas de Vermut, mas, como estavam de estômago vazio, ela e a Flora ficaram tontas mais rápido que Adilson. Após certo tempo, os três resolveram ir para casa, porém, decidiram tocar e cantar mais um pouquinho no varandão lá de casa. Detinha contava rindo  que somente se deu conta que a missa do galo já havia terminado, quando começou a ver somente as sombras das pernas das pessoas caminhando, contra a luz do farol dos carros que passavam pela rua. A missa do galo terminara. E isto significava que meu pai iria pegá-los com a boca na botija. Como já estavam muito tontos, cada um correu para suas casas e minha irmã para o seu quarto, antes que o meu pai chegasse.
         Acontece que eles se esqueceram das garrafas vazias atrás do muro, junto ao portão de entrada. Quando nosso pai  chegou da missa, quase que tropeçou nas garrafas e ainda se deparou com as inúmeras bitucas dos cigarros que o trio cantante  fumara. Para aumentar o caldo, minha irmã, já havia levado uns tantos tabefes e não parava de fumar. Ai, vendo tudo isto, juntou-se a fome com a vontade de comer e meu devoto pai, esquecido das orações que acabara de fazer ao Jesus menino, irou-se de vez, diante da desobediência insistente de minha irmã.
         A cena, naquele momento extremamente apavorante,com o passar do tempo, tornou-se cômico para nós relembrar minha irmã com a voz enrolada, o bafo  etílico empesteando todo o ar,  dizendo que não estava bêbada e ainda tentando impedir o acesso de meu pai ao quarto, tudo isso teve o efeito de apagar um incêndio jogando gasolina sobre as chamas!



Homenagem à esta figuraça, no décimo ano de seu falecimento.
Meu eterno amor, gratidão e admiração!

quinta-feira, 25 de abril de 2013



SAUDADES... PARECE QUE FOI ONTEM.

  Desliguei o computador, comprado a duras penas, com o meu salário de telefonista, lá pelas tantas horas da noite, como já o fizera em tantas outras daquela mesma semana de provas e trabalhos bimestrais.
  A casa que as constantes enchentes nos obrigaram a começar a construir estava apenas no seu primeiro pavimento. No mesmo quarto onde dormiam os filhos, ficava o computador que acabara de desligar.
  Fui até a cozinha satisfazer o vício do café:pela última vez um golinho! Voltei para verificação final das cobertas e dos pés para fora do beliche!
  Quando virei as costas, esfreguei os olhos secos, apaguei a luz e suspirei fundo, pensando na cama quentinha que me aguardava, eis que....
- Ô mãe?
  De costas mesmo eu resmunguei um – hã? E na esperança que fosse suficiente para contentá-lo eu soltei a pergunta básica:
- Já rezou filho? Dorme com Deus!
  Dei uma ajeitada nas cobertas, um beijo demorado, um afago nos cabelos loiros e uma última mirada nos doces olhos azuis (milagres da genética!), torcendo para que isto o satisfizesse!
  Mas, não teve jeito, com eles nada tinha jeito quando queriam conversar!
-Sabes o que eu pensei?
-Não filho, o quê?
-Será que foi Deus quem criou o homem ou foi o homem quem criou Deus!
-(Valei-me minha Nossa Senhora.... !) pensei:
-Depois da meia noite, varada de sono e cansaço, o que vou dizer para este guri meudeussdocéu!!!
  Inspirei fundo, invoquei todos os anjos e arcanjos, principalmente o mentor que toda catequista deve ter ao seu lado, por direito divino...
- Isto eu não sei te responder filho...  Filosofia não é o meu forte!
  Só sei que todas as vezes que a ele me dirigi, fui socorrida! E que atendendo ao que teu avô Roldão me disse uma vez, coloquei minha vida nas mãos dele e, até hoje, não me arrependi! As respostas sempre vieram de um jeito ou de outro!
-Agora, no Deus cristão, aquele velhinho cruel, furioso,de barbas brancas morando numa nuvem, não! Neste eu não acredito não, e até acho que foi criação dos homens mesmo!
  Dentre outras palavras, beijos e aconchegos, ele sorriu e o azul dos olhos ficou mais brilhante e iluminado sinal, para o meu coração de mãe, que ele estava satisfeito com a resposta!
-Boa noite mãe!
-Boa noite filho, dorme com os anjos!
-Tá!
  Mais uma ajeitada nas cobertas, uma última olhada na galega que dormia na outra cama e me fui rastejando escada abaixo, pensando no que diria agora, o neurologista consultado aos cinco meses de idade:
- É mãe! O teu filho somente tem a favor dele os olhos muito brilhantes. O resto me preocupa.Vamos fazer uma contagem de cromossomas!
  Mecanicamente, me dirigi ao laboratório, ainda não acreditando no absurdo daquela situação. A enfermeira perguntou qual o motivo do pedido, era exigência da “Patronal”.
- Não sei! Respondi confusa e angustiada. Algo com pregas nos olhos, orelha muito abaixo da linha dos olhos, pele flácida e a cabeça que ele ainda não tinha firmado.
-Ah! Eu sei! Características de Down, né?
  Incrível foi como consegui continuar segurando-o em segurança, quando o chão sumiu dos meus pés!
  Agora, 6 anos depois, o menino “com características de Down” tinha acabado de me fazer dançar um samba do crioulo doido para responder sua pergunta de uma forma satisfatória! Quando consegui chegar ao quarto, o marido resmungou nas cobertas e a noite seguiu seu curso!
  Naquela semana, contei à psicóloga, que eu pagava para que ouvisse meus desatinos, este estranho diálogo, apenas para exemplificar como estava assoberbada minha vida de mãemulhercozinheiralavadeiraestudantetelefonista,etc, etc, e ela me disse:
-O quê? Estás doida? Dizer uma coisa destas para uma criança de apenas 7 (sete) anos?
-Depois ainda achas estranho ter um filho filósofo!!!!
  Olhei para ela muito espantada!  Corria o ano de 2001. Os colegas de trabalho às vezes expressavam admiração, às vezes, desdém disfarçado, por uma pessoa de 40 anos que resolve estudar novamente e, ainda por cima, DIREITO! Três idosos para cuidar, duas crianças, uma casa sempre em construção, marido, cachorros, enfim, tudo o que uma boa família tem, não era fácil de administrar... Pensei em qual outra resposta poderia ter dado?
  Desde aquela noite, passei, passamos por muitos apertos! O filho filósofo ainda me colocou em outras “saias justas” e continua mais pensador ainda. Agora, é tocador de violão e engatinha nas composições. Com frequência quer que eu cante com ele mas ainda me requisita para uns papos cabeça!
  A galega, que dormia no beliche de baixo, agora nem liga para o quarto que é só dela e quase nem dorme mais em casa!Está quase terminando o curso de Artes Cênicas, mas já caiu de amores pela dança cigana há um ano mais ou menos e temos que nos sujeitar ao seu gosto musical restrito ao tema, quando ela vai limpar a casa!
  Tudo passou tão devagar e tão velozmente que agora, aqui escrevendo, sozinha em casa eu me lembro daquele “aperto” que ele me colocou e fico pensando:
-Como foi que passou tão rápido?
Que saudade! Parece que foi ontem!



terça-feira, 22 de janeiro de 2013


ENTÃO É NATAL

         Um pouco mais distante do cotidiano do meu ofício de dona de casa, inclino-me com prazer aos preparativos natalinos e  fatalmente, isto me remete aos natais de minha infância.
         Dentre todos, aquele que mais aviva minha recordação com carinho especial, acredito seja o natal de 1966, quando tinha 6 para 7 anos.
         Época em que a contragosto, mais que natural do meu pai, eu ainda dormia no quarto deles. Aliás, por força do pânico de ficar sozinha, obrigatoriamente eu “tinha que ter alguém ao meu lado” para poder dormir.
         Creio que houve “uma certa exigência” do meu pai, para que eu, pelo menos, dormisse na sala, preservando a intimidade do casal.
         E foi numa destas noites, que dormia na sala,  eu acordei com uma imagem maravilhosa e desta sensação de surpresa, alegria e contentamento eu nunca mais me esqueci!
         A árvore de natal estava montada bem defronte ao sofá onde, naquele ano, eu dormia. Abrindo os meus olhinhos, de seis anos de idade, aos meus pés, ela piscava lindamente e no chão  ao seu lado, estava uma boneca “grande demais, maior que todas as outras”, quase do tamanho da árvore. Vestida lindamente de azul, sapatos brancos, meia curtinha, cabelos curtos e louros, os olhos eram de uma cor que eu nunca tinha visto em boneca alguma: azuis
         Jacqueline era seu nome, anotado em azul e impresso na caixa de fundo bege. Eu fiquei encantada, eis que a minha frente, na minha casa, o meu presente era aquela boneca que  eu havia me derretido toda, ao vê-la dias antes junto com sua irmã morena, na vitrine iluminada das Lojas Hoepke, no centro de Laguna. É verdade, que ao vê-las nada comentei com minha mãe, não era coisa que se pedisse ao Papai Noel!
         Ao lado da boneca também estava um jogo de loucinhas, formado de bule, xícaras e chaleira vermelhos e de pratinhos, pires e talheres brancos.
         Aquela cena que vi ao abrir os olhos, a árvore piscando, a boneca de pé, com os braços erguidos, como que esperando o meu abraço, as loucinhas, enfim, resta gravado em meu coração para sempre. Foi um momento inesquecível. A sensação em meu peito era insuportavelmente feliz! E o fato de ganhar algo que somente possível em sonhos,  demonstrava que coisas boas poderiam acontecer, que a vida não se resumia a tristeza em que vivíamos.
         Ao relembrar o natal de 1966, vieram a tona lembranças do natal  de 1969. O decorrer deste ano, para mim, foi cheio de angústias. Dois dos meus irmãos mais queridos, em razão de trabalho, afastaram-se do meu convívio. O meu irmão do meio, Rogério, foi servir o exercito, em Brasília e, minha irmã  Odete, professora, passara no concurso de ingresso e fora dar aulas em Itapoá, município situado na fronteira de Santa Catarina com o estado do Paraná (para mim, era como se fosse outro país,  algo tão longe que eu não conseguia imaginar).
         Como se não bastasse a saudade de minha irmã, para ofensa e indignação dos meus pais, ela escrevera “somente para nossa Tia Marta” uma carta, relatando as dificuldades que estava passando na dita cidade. Acompanhando sem muito ou quase nada poder fazer, frente a indignação dos meus pais pelo fato de somente através de terceiros ter conhecimento da real situação da minha irmã e sobre o conteúdo da própria notícia, mergulhei numa tremenda angústia, que se prolongou durante todo aquele ano,  a  imaginá-la sozinha, passando por tudo aquilo, num lugar “tão,tão distante”!!
         Por isto mesmo, quando o final do ano chegou, trazendo os meus irmãos de volta, “sãos e salvos” e, aos meus olhos, “inteiros”, a minha alegria fora imensa.
         E é bem assim que eu estou, numa foto, rodeada por eles,  no galpão do Porto,  onde meu pai trabalhava e onde também, todos os anos, organizava-se um presépio muito bonito, para a confraternização  dos funcionários e seus familiares!
         Aquele era um presépio, aos meus olhos, gigantesco, pois o local era enorme e todo cenário era feito de uma espécie de papelão amassado, imitando as pedras, os morros, onde havia espelhos imitando lagos, com água corrente feito um riacho, a areia das dunas do mar grosso, formava o deserto, relva colhida, imitava a vegetação rasteira.
         O cenário todo não se limitava ao nascimento do menino Jesus. Contava todos os acontecimentos, iniciando pela  anunciação, a visita de Maria à sua prima Isabel e a  peregrinação dos Reis Magos, os pastores no campo com  a Estrela de Belém, para culminar no presépio em si, o menino Jesus na manjedoura, ao lado de sua Sagrada família, representados pela imagens de cerâmica.
         Neste natal a festa foi especial. Os brinquedos que ganhamos foram bem melhores que os dos anos anteriores e, nesta foto, eu estou prá lá de feliz com uma boneca Suzi em meus braços!!! Eu bem sabia que a moda de ter uma Suzi já havia passado.... mas não me importei nem um pouco. Ganhar uma Suzi era algo que também nem sonhava em pedir e o melhor de tudo foi que com esta Suzi eu pude brincar a vontade. Ela não estragou, não ficou velhinha nem feia e, quando saí de casa, já adulta, dei-a como presente para minha sobrinha mais nova.