domingo, 12 de julho de 2020


                                                   
                                                        UMA GRANDE FIGURA!

 
Está perdida na memória a data em que eu conheci a aniversariante de hoje! 
Quando “me deixaram” ir na casa de alguém, sozinha, para brincar, eu já ia na casa dela!
Digo “figura”, porque eu chegava e ela já estava lá, na mesa, estudando! Sim, ela estudava primeiro, para depois ir brincar! Se a brincadeira fosse “de missa”, eu tinha que ficar “estátua”, não podia rir, nem dizer besteira! Ela me esculachava!
Um dia, cheguei muito cedo.
-A Regina está na casa da avó.
Fui na casa da “dindinha”: ela estava comendo “arroz com pastel”!
-Arroz com pastel, Regina?
-Sim.É o meu prato preferido!
Ela teve que aprender tricô, na marra. Deram-me um “crochê” para fazer. Nós fizemos, até uns tempos atrás, eu ainda tinha a tolhinha vermelha! Ficou um horror! A blusa dela? Perfeita!
Ela fazia os “cartões de natal” que mandava para nós, todas nós!
Certo dia, ela “inventou” que estava gorda e ia fazer dieta. Então, quando chegava na casa dela, antes de estudar, esperava a Regina fazer as flexões que ela inventou, num tempo que não existia youtube, nem Google! Depois, ela dobrava a roupa, guardava o calçado e, então, ia me ENSINAR MATEMÁTICA, que ela já tinha estudado antes.
Ela tentava, tentou muito, pobre amiga. Mas, eu só queria falar, conversar, contar alguma coisa prá ela... e ela ouvia, com toda a atenção! Viveu comigo a época em que sonhei os meus sonhos mais lindos e também quando passei por alguns pesadelos!
Em dias de provas escolares, eu a cutucava:
-Regina, como vamos resolver esta questão?
-Tenta deste jeito, eu tento do outro tá?
-Tá.
Adivinhem quem acertava? Ela, claro!
Lembram-se da ginástica? Pois é, ela fazia depois de já ter “passado a matéria a limpo” e estudado o que tínhamos aprendido naquele dia. Quando explicava para nós (sim, não era só eu, “sua aluna”, haviam outras tantas), ela reaprendia tudo.
Quando começamos, TODAS a escrever poesias, ela era a mais metódica, rimas em profusão, até que um dia, eu me cansei, e soltei um: “como as abelhas”!
-O que é isto Rita? Não tem nada a ver!
-Eu sei, mas tu dissestes que eu tinha que rimar. Só achei “abelhas” para combinar!
E assim, se passaram 10, 20, tantos anos né?
Só hoje me dou conta, o quanto aprendi que disciplina, dedicação e rigor podem fazer bem para um ser humano. Mesmo sem perceber, eu segui o teu exemplo, por pura admiração, e só ganhei com isto. Até te usei como exemplo, quando foi a hora de educar os meus filhos, eu dizia:
-façam assim, que dá certo, porque eu sei!
Regina Dos Santos, FELIZ ANIVERSÁRIO! Peço a Deus que te abençoe sempre! Meus planos eram de passar um dia contigo, comemorando esta data tão importante, mas não deu! Aceite um grande abraço, meu e do Ze!

O FOGÃO A LENHA

Em mais uma tarde de confinamento, meu companheiro de cela me explica o funcionamento de um fogão de tubo, que ele aprendeu a fazer, numa das tantas lives do youtube que tem feito, desde o evento do COVID. A chegada do temporal levou consigo a luz elétrica, então, este papo cabeça foi a luz de velas.
Em determinado momento divaguei sobre porque tenho tanta afinidade com fogões a lenha. Já tivemos um, em nossa antiga casa, a nossa primeira construção juntos.
Quando ele me fala que este fogão deixa a lenha numa posição que queima mais devagar, lembrei-me da sensação que me provocava a imagem da lenha queimando, dos cheiros que exalava e dos estalos que fazia na cozinha da minha infância.
Quando chegava da escola, ainda no primeiro ano, encontrava com meu pai sentado, “empongado” na sua inseparável japona e no seu boné, num cantinho, fumando seu palheiro, olhando para as chamas, bem perto do bule de café quentinho, que nunca saía de cima da chapa. Era inverno e ali nós ficávamos juntinhos. Eu ganhando meu colo e ele, contando suas histórias infinitas, que eu adorava tanto.
Com frequência, rolava uma dança, os outros filhos chegavam da escola e às 17:00 horas havia o programa de músicas “rancheiras” e os sapatos arrastavam naquele chão, feito de cimento queimado vermelho, enquanto aguardávamos a janta ficar pronta. Meu coração se inundava de uma felicidade pura, por que todos davam um jeito de me incluir na brincadeira. Ou me colocavam sobre os pés, me pegavam no colo ou valsavam comigo de qualquer jeito mesmo, o importante era dançar.
A música vinha de um rádio de madeira velho, que ele consertara, como já fizera com muitos outros. Era um som rouco, mas ninguém pensava em algo melhor. Dele saíam as notícias da manhã, quem morrera, quem tivera alta do hospital, da tarde e da noite. Este veículo, hoje tão esquecido, era o meio de conectar todas as comunidades, até as mais afastadas.
E foi numa destas tardes de inverno que eu cheguei e busquei seu colo, muito confusa. A professora do primeiro ano havia dito:
- Ah! Tu és a filha daquela senhora que morreu?
-Não! A minha mãe é a Maria, ela não morreu!
-Não! A Maria não é tua mãe. A tua mãe morreu atropelada, a Maria te criou.
Eu sabia, sempre soube. Mas no fundo do meu coração eu queria que aquelas histórias, aqueles comentários que eram feitos, não me dissessem respeito. Eu queria que ela fosse realmente a minha mãe. Por esta razão, a forma como me foi dito causou-me um “choque de realidade”, que me desnorteou!
Naquela tarde, eu perguntei para ele se era verdade. Ele me olhou por muito tempo e contou. Tudo! Durante o relato as lágrimas foram descendo pelo seu rosto enquanto meu coração se desmanchava em desalento por uma realidade tão cruel, que materializava o que eu já sabia, sem saber que sabia: eu não tinha mãe, sequer a conhecera, não tinha qualquer lembrança dela.
Quando terminou de me contar a “sua história”, secou os olhos com a manga da japona e pegou minha mão me fazendo tocar na cicatriz em sua testa, lembrança da carroceria do caminhão, que ele mais tarde nomeou como “uma fera ou monstro” saído do nada, que o deixou nocauteado no chão, enquanto seu amor ,de 25 anos de casamento, partia desta vida.
Esta foi a primeira, das inúmeras vezes, em que veria meu pai chorar.
Palhoça, 30/06/2020