domingo, 1 de maio de 2011

UM PROFESSOR NA LUA


O ano de 1976 foi caprichado em termos de altos e baixos, emocionais e físicos. Nas primeiras semanas de fevereiro tive uma desidratação de último grau, seguida de pneumonia. O ambiente familiar, tenso demais, não ajudava muito na recuperação do meu equilíbrio.
Aquele foi o primeiro ano do Científico, fato que era cercado por uma aura de “responsabilidade”, que no Ginásio não acontecia, tudo era mais leve, mais brincadeira ainda. Em companhia da Regina, fui matriculada no 1º Científico B.
Nesta época, ainda não havia começado a “sanha” de passar no vestibular, mas o conteúdo das matérias ministrado assustava.
A estrutura familiar de então não cobrava desempenho “estupendo” de uma garota  de 16 anos. Aliás mulher ainda era feita para casar e ter filhos, não para trabalhar fora.
Aliado a esta idéia, eu ainda tinha que lidar com um emocional constantemente abalado, que minava as gotas de auto-estima que eu possuía, todos estes fatores impediam que me concentrasse nos estudos e as aulas me pareciam um grande blá-blá-blá!
O professor de Biologia, como todos, impunha respeito na base do medo. Todos os alunos o temiam e eu também. Contudo, aos poucos, a didática que ele empregava foi me fascinando porque ele se utilizava de desenhos no quadro negro, para explicar a matéria do dia. Ele não se utilizava de cadernos, passava a aula falando e desenhando, prendendo minha atenção, porque aquilo ali era lógico, era quase palpável, era “de verdade”. Aos poucos, fui esquecendo o medo e viajei (viajamos todos) com ele, pelo fascinante mundo da Biologia, assunto que até hoje me atrai.
Porém, nem tudo eram flores e o dia da primeira prova chegou. Estudei, como todos, temerosa, diante de tanto conteúdo a ser gravado em minha pobre e confusa mente, de tantos detalhes a lembrar. O clima de terror era quase escatológico!
O dia da entrega das notas chegou!
Para mim, boas alunas e inteligentes eram a Regina, a Jacque, a Beth Effiting, enfim, todas, menos eu.  Nunca tive consciência da minha capacidade. Acreditava ser aluna “meia-boca”, qualquer coisa, tudo, menos tão inteligente quanto elas, ou que alguém me visse assim!
-Rita de Oliveira Medeiros
Duas varas de bambu no lugar de pernas, lá fui eu pegar a prova. Quase desfaleci: 5,00. Mas o pior ainda estava por vir. Quando me entregou a prova, o professor desconhecido segurou-a momentaneamente, fuzilou-me com os olhos e disse a frase que mudaria meu comportamento quanto aos estudos e minha visão sobre mim mesma:
- Eu esperava muito mais de ti!
Varas de bambu agora transformadas em cinza, junto com o meu corpo e um cérebro latejando, tudo foi despejado num carrinho de mão e depositado na carteira!
-Não é a toa o apelido, pensei!
Quase não se andava de ônibus, nesta época! Nós fazíamos o percurso do Ceal até o Magalhães, onde morávamos, a pé, Regina e eu! Não lembro se comentei com ela, mas a frase dele, assim como o seu olhar decepcionado me assombraram durante todo o caminho.
-Alguém acredita em mim? Como pode ser isto? Então eu poderia entrar naquele clube seleto dos melhores alunos? Alguém presta atenção ao que sou? Alguém se importa?
Verdade que sempre fui, e sou até hoje, participativa. Acho que enchia o pobre professor de perguntas, mas isto era só porque o conteúdo e a forma como era transmitido me fascinavam e me retiravam do limbo emocional que eu vivia.
A partir daquele dia, incentivada por uma frase que ele nem mesmo se recorda, “eu vivi” a excelente aluna que era, estudei com afinco e, caso não me falhE a memória, foi o ano do Científico que obtive o melhor desempenho.
Situações adversas aconteceram depois, nem obtive tanto sucesso profissional assim, ainda não continuo não acreditando muito em mim.
Contudo, na vida, passei por muitos outros tipos de “provas”, não só as escolares e aquela frase continua a me encorajar  e a me lembrar que posso ser capaz de muito mais do que penso.
Esta foi uma lição que ele não pensou em dar, que não desenhou no quadro, mas que ficou marcada para sempre em mim. Um empurrão que me mostrou quem eu poderia ser se quisesse, e que hoje, no momento em que vivo, quando tudo o que me animava a lutar parecer estar se desvanecendo, perdendo a motivação, ainda me vem à mente aquele olhar, que talvez venha do Mestre maior, se servindo dele para me dizer:
-Eu espero muito mais de ti!

Um comentário:

  1. Afinal deu uma bela crônica, não foi? Eu fiquei emocianado porque foi um dos maiores presentes como professor. Minha carreira foi estudar muito, saberr minha matéria o mais que pudesse a assim, poder ajudar a juventude da minha cidade a conseguir uma melhor situação tanto material, como na compreensão do seu mundo. Obrigado pela homenagem

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