Atrás da nossa casa, no bairro Magalhães, durante a minha
infância, ainda existiam os trilhos da estrada de ferro Dona Tereza Cristina,
que trazia o carvão de Criciúma e Capivari para o Porto de Laguna. Também havia, um alagamar. Era uma extensão da Lagoa de Santo Antônio, popularmente
chamado assim. O tal alagamar, nos dias
de hoje, seria um terror de saúde pública. Melhor nem comentar o que boiava
naquelas águas. Mas, todos nós brincávamos muito nelas. Também assistíamos grandes
espetáculos durante o por do sol, sentados nos trapiches das canoas dos
pescadores, depois de uma tarde inteira de folguedos, correrias e brincadeiras
de todos os tipos.
Minha amiga Regina e eu não éramos diferentes de qualquer uma
das crianças da nossa rua. Bem, não éramos tão iguais assim. Ao contrário das
outras crianças, também nos divertíamos muito lendo. Eu mesma, fui apelidada
pelos meus irmãos de “pesquisa”, porque escolhia um tema e depois saia
procurando livros sobre aquele assunto e, para desespero deles, falando sem
parar sobre o que descobria. Na mesa do almoço, da janta, enquanto eles
limpavam a casa, enquanto lavavam a louça, enfim, reconheço que os importunei um bocado.
Passamos por diversas fases de pesquisas, eu e ela. Tivemos a
fase dos dinossauros, das pedras, das cidades que gostaríamos de conhecer e dos
vulcões! Eu era fascinada por vulcões.
Naquela época, do quintal da minha casa eu via todo o entorno da Lagoa de
Santo Antônio, chegando mesmo a ver, em noites claras, da janela da cozinha, o
facho da luz do Farol de Santa Marta. Quantas broncas levei, porque ficava
hipnotizada olhando o vai e vem daquela luz em vez de dar conta da louça do jantar.
Foi numa destas observações, pendurada no portão atrás de
casa, que um dia, percebi uma certa ilha, no alagamar, já próximo da Passagem
da Barra. Atrás desta ilha eu visualizei um morro, em forma de vulcão (como eu
vira nas figuras das revistas) e, pasme, eu cismei que aquela ilha tinha sido formada pela explosão DAQUELE
VULCÃO, que era composta de pedras
vulcânicas. Tanto falei nisto com a Regina, que a convenci de pesquisar comigo
e este passou a ser o nosso assunto preferido.
Esta minha amiga Regina, ao contrário de mim, tinha avós
maternos!
Eles já eram idosos, e tinham que ouvir estas teorias, porque
brincávamos a tarde inteira na parte do terreno onde ficava a casa deles. Eles conheciam
a vida e sabiam que não se conseguia tirar leite de pedra. Cada um tem seu
tempo e a fruta quando colhida prematuramente pode se perder. Por isto, tinham
muito paciência conosco. Mas nos davam limites. Sabiam que éramos crianças,
nada mais do que isto. Talvez um pouco precoces para aquela época, mas éramos somente
duas crianças.
Lembro dos olhos dele, para mim, sempre tristes e preocupados.
Ele lutara na segunda guerra. Ela, sempre tinha para comigo um olhar bondoso
que, no máximo, se estreitava um pouco quando ouvia algum disparate meu. Eu
percebia a mancada e me calava ou mudava de assunto.
Nesta época, eu costumava passar tardes inteiras no rancho da
casa deles, discutindo nossa teoria vulcânica com a Regina. Creio que devemos
ter nos tornado insuportáveis quanto a este assunto, porque , o “vô Galdininho”, que era pescador, certo
dia, pegou sua canoa e nos levou numa “expedição à ILHA”.
Explodindo de alegria, curiosidade e expectativas, lá fomos
nós. O passeio de canoa, por si só já era uma felicidade para mim, imagine
então, estar diante da possibilidade de ver confirmada a minha teoria
vulcânica!
Quando descemos da canoa o entusiasmo já murchou! Não recordo
com que calçado eu fui. Mas lembro muito bem do susto ao afundar os pés naquele
lodo... e eu imaginara que desceria numa praia de areia branquinha.
O capim que rodeava a tal ilha, de longe era tão lindo, tão verdinho. De perto, meu
Deus, como doíam e incomodavam as espetadas dos espinhos que eles tinham nas pontas.
Acho que nada teve um poder tão grande de me fazer ficar uns
instantes em silêncio. Que decepção! Não vi pedra vulcânica alguma, apenas umas
rochas de granito, caranguejos e um inseto semelhante à barata e muito mau cheiro.
O morro visto de perto era o tal
casqueiro, onde ficava o sambaqui. De vulcão, não tinha nada, nem o formato. Desencantadas, voltamos para casa, finalmente em silêncio, para felicidade do seu Galdininho e de sua esposa, a dona Liquinha.
Chegou o dia da aula semanal de Geografia. Contamos para a professora
sobre a nossa odisseia. Ela, muito atenciosa como era, nos intimou a
apresentarmos um relatório, que intitulei de “A ILHA”, e recebeu nota DEZ!
Depois da nota inesperada nossos pés ainda doeram por algum
tempo com as espetadas dos espinhos do capim, que inflamaram. Diante de tudo
isto, nos demos por satisfeitas, nunca mais falamos em ilha vulcânica perto do
seu Galdininho e encerramos a nossa fase dos vulcões.
Esta foi uma foto tirada durante as celebrações do "lava-pés" na semana santa. O seu Galdininho tem a faixa "Simão".
Imaginei vocês duas direitinho. Lembras da nossa "formatura" da quarta série? Também demos uma volta de canoa, no mesmo alagamar.Outra coisa que lembro dos trilhos, é que eu e meus primos colocávamos pregos sobre eles, quando a máquina vinha, para fazermos espadinhas. Tempo bom!
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