domingo, 19 de maio de 2013

EU NÃO ESTOU BÊBADA PAI


         Lá pela época, um pouco antes dos anos 70, quando eu ainda dormia no sofá da sala, certo rapaz conhecido no bairro do Magalhães, que morava na rua do campinho de futebol, em frente a Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Navegantes, havia feito muito sucesso como cantor. O nome dele era Adilson Adriano, sua música, chamava-se “Seu Nome” e foi muito tocada nas rádios Difusora e Garibaldi. Esse ídolo da terrinha era praticamente nosso vizinho, tinha quase a mesma idade da minha irmã Detinha e de sua amiga Flora e, tal como as duas, também havia perdido a mãe quando ainda muito criança.
         Era Natal, que em nossa casa era comemorado apenas no almoço do dia 25. Não fazíamos a tradicional ceia da meia noite, meus pais iam à missa do galo e a troca de presentes era realizada de manhã.
          E naquele ano, seguindo a tradição, meus pais foram para a missa do galo. Eu, muito criança, fui dormir quando me mandaram, no sofá da sala. Em dado momento acordei sob a cantoria das vozes de minha irmã Detinha, de sua amiga Flora, juntamente com Adilson Adriano, no varandão de nossa casa, tocando no violão uma música que ele havia composto em homenagem a sua finada mãe. O três, depois de muitos copos de uma bebida chamada Vermut (nem sei se ainda existe), estavam chorando suas mágoas de órfãos e repetiram a tal música várias vezes durante aquele festival de choradeiras. E eu fiquei acordada ouvindo tudo. Ou era o que eu pensava.
         Pois, de uma hora para outra, me acordei com o meu pai abrindo a porta da sala, adentrando com muito estardalhaço, em direção ao quarto onde as minhas irmãs dormiam.
-Abre esta porta Detinha, eu sei que estás aí!
         Eu sentei rapidamente no sofá e vi o meu pai forçando a porta do quarto para entrar e minha irmã resistindo aquela investida irada, fazendo movimento contrário, fechando a porta com o próprio corpo.
-Que vergonha, Meu Deus! Gritava ele, a minha filha bêbada!
-Calma!Eu não estou bêbada pai, eu não estou bêbada!
         Mas, como ele poderia se acalmar? Se hoje tenho na memória, que mesmo distante do quarto, eu podia sentir o cheiro da bebida que dela exalava, enquanto respondia com a voz embargada, mole, balbuciante e contorcida, defendendo-se o quanto podia, numa vã tentativa de evitar a  surra que levou.
         Nos anos que se seguiram, sempre riamos muito ao lembrar aquele episódio. Detinha sempre zombando, contava que a cantoria começara na “pracinha” onde os três beberam apenas, algo em torno de três ou quatro garrafas de Vermut, mas, como estavam de estômago vazio, ela e a Flora ficaram tontas mais rápido que Adilson. Após certo tempo, os três resolveram ir para casa, porém, decidiram tocar e cantar mais um pouquinho no varandão lá de casa. Detinha contava rindo  que somente se deu conta que a missa do galo já havia terminado, quando começou a ver somente as sombras das pernas das pessoas caminhando, contra a luz do farol dos carros que passavam pela rua. A missa do galo terminara. E isto significava que meu pai iria pegá-los com a boca na botija. Como já estavam muito tontos, cada um correu para suas casas e minha irmã para o seu quarto, antes que o meu pai chegasse.
         Acontece que eles se esqueceram das garrafas vazias atrás do muro, junto ao portão de entrada. Quando nosso pai  chegou da missa, quase que tropeçou nas garrafas e ainda se deparou com as inúmeras bitucas dos cigarros que o trio cantante  fumara. Para aumentar o caldo, minha irmã, já havia levado uns tantos tabefes e não parava de fumar. Ai, vendo tudo isto, juntou-se a fome com a vontade de comer e meu devoto pai, esquecido das orações que acabara de fazer ao Jesus menino, irou-se de vez, diante da desobediência insistente de minha irmã.
         A cena, naquele momento extremamente apavorante,com o passar do tempo, tornou-se cômico para nós relembrar minha irmã com a voz enrolada, o bafo  etílico empesteando todo o ar,  dizendo que não estava bêbada e ainda tentando impedir o acesso de meu pai ao quarto, tudo isso teve o efeito de apagar um incêndio jogando gasolina sobre as chamas!



Homenagem à esta figuraça, no décimo ano de seu falecimento.
Meu eterno amor, gratidão e admiração!

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